Nasceu dia
7 de Janeiro de 1878 na aldeia de Beveren, município de Waregem na Bélgica. Foi
batizado dia 8 de janeiro, apressadamente, pois nasceu doentio e inspirando
cuidados.
Dizia-se
francês e falava com orgulho do povo vivo, espirituoso, guerreiro e inteligente
que eram os franceses, aliás pátria de São Luís. "Quero ter o santo
orgulho de saber bem a minha língua", dizia ele.
Júlio
Emílio filho de José De Lombaerde e Sidônia Steelandt, era o primogênito de 8
irmãos, dos quais morreram sete de crupe, antes dos 7 anos, escapando apenas
ele e o 9º irmão, chamado Aquiles, que também se tornou missionário.
Seu pai
descendia de família militar emigrante de Lombardia. Homem simples, trabalhador
e muito alegre. Gostava de livros e era habilidoso carpinteiro. Morreu de
úlcera no estômago em 19/09/1890. Sua mãe era flamenga, descendente de
holandeses, gênio expansivo e alegre. Quando menina quis entrar para o convento
como sua irmã, mas acabou se casando e tornou-se mãe aos 30 anos. Quando
enviuvou, protestara não mais casar-se, mas com a decisão dos filhos de abraçar
a vida religiosa, resolveu e casou-se com Charles Callens.
Padre Júlio
Maria passou a infância em Waregem onde fez o curso primário. Sua formação
pré-primária foi feita por religiosas num jardim de infância da cidade. Foi lá
que despertou a vontade de ser missionário. Fez a 1ª comunhão em 1889 e no
mesmo ano foi crismado. Guardava com todo cuidado sua fotografia com a mãe do
dia da 1ª comunhão, motivo de festa e orgulho para toda a família. Aos 15 anos
foi estudar no Instituto São José em Torhout, na Bélgica. Uma escola destinada
para a formação de professores e dirigida por sacerdotes diocesanos. Nesta
época sua mãe se casou com Charles Callens que não pôde (ou não quis) pagar os
estudos de Júlio e o rapazinho então resolveu vender a mobília da casa para
estudar. "Era um peralta". Neste colégio recobrou a vontade de ser
missionário e lia assiduamente as revistas missionárias, sua principal
distração. Recebeu formação rija e firme, mas bem gostava das brincadeiras nas
horas permitidas.
Júlio
Emílio era compenetrado e maduro nas horas sérias, nas horas de recreio, o
amigo expansivo de todos, moço vivo e dado aos divertimentos. Ficou neste
colégio apenas 1 ano e em 1895 partiu com um Padre Branco para Boxtel, na
Holanda a fim de iniciar sua vida missionária. Em 19/10/1895 parte para a
África apesar da tristeza dos familiares e desmaio de sua mãe. Aí nasceu o
desejo do seu irmão Aquiles de ser missionário na África também. Em primeiro de
novembro Júlio vestia o hábito de irmão branco em Maison Carrée com o nome de
Optato Maria. Passou algum tempo na solidão em Iril Ali, como cozinheiro e
carpinteiro, e a 18/04/1897 consagrou-se definitivamente como missionário. Em
2/11/1897 foi enviado para Arris e passou por vários lugares da África até
1901. Neste tempo resolveu ser sacerdote, cumprindo uma promessa pela cura que
Nossa Senhora lhe concedeu. Já era um homem de barbas longas e cheias.Visitou
sua mãe e sua família em dezembro de 1901 e em fevereiro do ano seguinte já
estava em Grave (Holanda) junto ao Pe. João Berthier, na "Obra das
Vocações Tardias", para se tornar sacerdote. (02/02/1902).
Este
seminário foi fundado em 1895 pelo Pe. João Maria Berthier, um missionário francês
que foi para a Holanda para iniciar uma vida de extrema pobreza num quartel de
soldados, velho e feio. Júlio Emílio lá entrou e logo foi encarregado das aulas
de matemática e francês. "Quem ali vivia no berço da nascente congregação
praticava todos os heroísmos da pobreza". Em 1908, já havia 12 padres na
congregação, entre eles o Pe. Júlio De Lombaerde, ordenado a 13 de junho
daquele ano. Foi este também o ano da morte do fundador (16 de outubro). Meses
depois, estava pronta sua biografia. Autor: Pe. Júlio Maria.
A
comunidade cresceu sobremaneira e o espaçoso seminário era agora pequeno demais
para 40 sacerdotes e mais de 100 estudantes.Padre Júlio Maria foi enviado para
Wakken, na Bélgica, para iniciar um Seminário Menor de Missões e aí sentiu a necessidade
de um clero religioso cheio de zelo para cuidar e afervorar as paróquias. Nunca
abandonou o amor e o fervor por Nossa Senhora, sobre a qual leu e escreveu
grandes obras teológicas. Era seu amante apaixonado.
Na França,
na Bélgica e na Holanda, pregou com amor e ardor, ousadia e veemência
apostólicas. Fez missões paroquiais numerosas, durante quatro anos, mobilizando
e trazendo à prática religiosa centenas, milhares de pessoas, reconstituindo
famílias, atendendo horas a fio a pessoas que, fazia muitos anos, não se
confessavam, legitimando uniões conjugais que ainda não tinham recebido o
sacramento do matrimônio, libertando as pessoas de vícios e pecados.
Muito
entusiasmado com a "vida religiosa consagrada" (a vida de padres e
irmãos, freiras e irmãs vivendo em comunidade, fraternalmente, seguindo uma
regra de vida aprovada pela Igreja, e consagrando-se a Deus através dos votos
de pobreza, obediência e castidade), Padre Júlio Maria aproveitava as missões e
o clima de fervor religioso que, por causa delas, se experimentava, e procurava
levar ou orientar para o convento aqueles e aquelas que se sentiam
vocacionados. Na linguagem de pregador popular, ele gostava de dizer:
"Temos três modos de ir para o céu: através da vida matrimonial, através
do celibato no meio do mundo (celibato sacerdotal ou leigo) ou através da vida
religiosa consagrada. Mas quem escolhe a vida de casado, é como se fosse para o
céu a pé; o que vai pelo celibato no meio do mundo, é como se fosse a cavalo;
mas quem vai pela vida religiosa consagrada, é como se fosse de
automóvel." Ele entusiasmava rapazes e moças a serem religiosos, porque
ele mesmo estava entusiasmado com isso. Foram muitas as vocações que conseguiu
despertar ou firmar. E a cura milagrosa de uma mãe paralítica, que permitira
sua filha única ir para o convento, fez com que suas pregações sobre as
vocações sacerdotais e religiosas se tornassem extraordinariamente persuasivas.
Pe. Júlio
Maria estava no auge de seu trabalho de missionário paroquial na França,
Bélgica e Holanda, com grandes planos que incluíam seminários para os jovens
que procuravam a Congregação da Sagrada Família, muitos roteiros missionários,
e a redação e publicação de uma série de livros sobre Nossa Senhora e a maneira
de servi-la, quando, sem ele esperar, sem explicações, aparentemente sem razão
plausível, ele teve de interromper tudo o que estava fazendo e vir para o
Brasil. Seus Superiores religiosos, por motivos que ele nunca soube exatamente
quais eram, resolveram enviá-lo para as missões amazônicas. Não seria ele, tão
convicto de seu voto de obediência e do mistério da Divina Providência, que
iria questionar a ordem recebida ou pedir satisfações. Encerrou o estava
fazendo, desfez os compromissos que ainda viriam, arrumou as malas e zarpou para
o desconhecido. Não conhecia a língua portuguesa, não sabia praticamente nada
sobre o país, não havia sido preparado para a nova missão... mas entregou-se às
mãos de Deus e Nossa Senhora. E veio. Despediu-se dos dirigidos e alunos, foi
dar um abraço aos familiares, especialmente a Aquiles, o irmão mais novo e
embarcou no dia 25/09/1912, junto com os padres Scholl e Burgard e mais dois
irmãos religiosos: Micael e Ambrósio.
Foi quase
um mês de viagem. Chegaram a Recife dia 15/10/1912. Grande era a apreensão dos
cinco "heróis", sem conhecer a língua, sem saber nada dos costumes da
terra, missionários despreparados. Pe. Júlio Maria "aprendeu" a
língua "só Deus sabe como". (É bom dizer que, depois, reaprendeu-a, e
falava e escrevia bastante bem e com absoluta fluência o português, apesar do
sotaque às vezes pesado, que não impedia, entretanto, que o povo o entendesse
perfeitamente bem.) Antes de partir para Belém, de onde iria para Macapá, seu
destino final, passou dois meses e meio em S. Gonçalo, a 15 km de Natal, RN,
onde trabalhavam os Padres Paulsen e Belchold, velhos companheiros e irmãos de
hábito - quer dizer, de Congregação. Aí aprendeu mais ou menos a falar
português e alguma coisa dos costumes da missão. Foi, então, para Belém, PA.
(Naquele tempo, Macapá pertencia ao Pará.) Em Belém, ficou hospedado algum
tempo com os padres barnabitas (franceses), com quem pôde refazer e completar o
curso de português e aprender algo mais sobre o Brasil e seu povo.
Em
27/02/1913, desembarcou afinal em Macapá, onde foi recebido amigavelmente por
dois outros irmãos de hábito e bons companheiros, o Pe. José Lauth e o Pe.
Hermano. Começou logo seu trabalho. Ele viera para "salvar almas", e
era isso mesmo que ele queria fazer. Mas o povo era muito pobre e necessitado
de quase tudo em termos de saúde, de instrução, de alimentação. Muita malária,
úlceras, gripes, pneumonia... Como o Pe. Júlio tinha certo conhecimento de
medicina, começou, juntamente com o trabalho religioso de evangelização, a
cuidar também dos corpos, das necessidades materiais das pessoas. Conseguiu
tanto que se tornou um ídolo do povo. O Prefeito e outras pessoas importantes
da cidadezinha solicitaram ao governo e obtiveram um decreto que outorgava ao
Pe. Júlio Maria a administração da farmácia e do posto médico de Macapá. Isto
abriu para o missionário as portas das casas de família. E sua presença era tão
boa que se tornou amigo e conquistou a simpatia de todos. Ia freqüentemente às
escolas e era "adorado" pelas crianças. Em 02/05/1913, foi nomeado,
por decreto do Governo do Pará, diretor das Escolas Reunidas, "com todos
os direitos e privilégios", inclusive os vencimentos do cargo. Desse modo,
ele era o médico, o farmacêutico, o mestre-escola, o amigo e pai dos pobres, o
encanto das criancinhas.
Paralelamente
a tudo isso, ele rezava muito, administrava os sacramentos, celebrava a missa
todos os dias e catequizava. Dava catecismo, de manhã, para as crianças; de
tarde, para os jovens e, de noite, para os adultos. Em seu trabalho
missionário, visitou vários lugares da Amazônia, foi até ao Tumuc-Humac. Ficava
embevecido com a majestade da floresta, mas passou muitas dificuldades. O
grande companheiro e amigo era o caboclo Canoza. Rústico, mas fiel, corajoso e
conhecedor dos segredos da floresta, era o guia nas caminhadas, defendia os
missionários. Salvou o Pe. Júlio num desastre de canoa e, outra vez, matou uma
onça brava que investiu contra os padres. À noite, dormia ao pé das redes dos
missionários, pronto para levantar-se ao primeiro chamado. Era o sacristão, o
guarda vigilante, o amigo de todas as horas.
Em Macapá,
preocupado com tantas crianças abandonadas e "tanta inocência
perdida" (o abuso sexual contra menores não é de hoje, infelizmente);
sofrendo com tanta infelicidade precoce, Pe. Júlio resolveu arranjar Irmãs que
cuidassem da educação e formação geral dessa meninada. Bateu em muitas portas,
mas não encontrou nenhuma Congregação feminina que pudesse ir para lá. Então,
de repente, veio-lhe a idéia de que, se nenhuma Congregação podia ir para lá,
por que não fundar uma Congregação nova, com gente de lá mesmo? Havia uma
pobreza enorme de pessoal, mas "para Deus nada é impossível" -
pensava o Pe. Júlio. Daí nasceu a Congregação das Filhas do Coração Imaculado
de Maria. Era o ano de 1916. Por enquanto, as Irmãs formavam um Pio Sodalício,
mas com ideal definido, "Constituições" e regra de vida escritas pelo
Pe. Júlio, que se transformou em "mestre espiritual", que vivia,
juntamente com aquelas primeiras candidatas à vida religiosa, uma espiritualidade
forte, fortemente marcada pelo Coração de Maria. A Congregação seria um dia
aprovada pela Santa Sé, mas até lá, muito sofrimento, muita incompreensão. Por
causa da sua ousadia, Pe. Júlio teve de sofrer muito. "Foi crucificado
vivo", diz um de seus biógrafos. Ele não se queixava, não costumava
desabafar. Mas, informações posteriores à sua morte, afirmam que, naqueles
anos, sua vida se transformou num verdadeiro martírio, apesar do
desenvolvimento da Congregação. Talvez como um preço disso mesmo.
Aos
sofrimentos morais, acrescente-se a morte de uma das Irmãs, doenças de outras,
doença do próprio Fundador que teve de ficar um ano e meio de repouso por causa
da sezão e de feridas grandes e graves numa das pernas. Pe. Júlio, porém,
interpretava tudo isso como fatos e provações providenciais, que serviam para a
formação das suas religiosas. Na medida mesmo desses padecimentos, ia
florescendo, como nunca, o amor a Jesus sacramentado, o espírito de oração e o
amor ao sacrifício. Foi dentro dessa situação que nasceu uma alma santa, filha
do coração abrasado do Pe. Júlio Maria e que foi uma bênção para a jovem
Congregação: a Irmã Celeste. Viveu apenas dois anos dentro da comunidade
religiosa, mas deixou um exemplo de espiritualidade inapagável, de amor e
sacrifício, de doação de si, de generosidade e fortaleza. O Pe. Júlio atribuía
à intercessão da Irmã Celeste a cura miraculosa das feias feridas, que nenhum
remédio conseguia sarar, de sua perna. Cura efetuada da noite para o dia.
Literalmente, da noite para o dia, depois de recorrer fervorosamente à
intercessão de sua querida filha espiritual.
De qualquer
maneira, uma epidemia de febres assolou Macapá, matando em poucos meses, várias
irmãs e alunas do Colégio. Por causa disso, decidiu-se mudar as Irmãs e o
Colégio de Macapá para Pinheiro, a 36km de Belém. Colégio e Congregação se
desenvolveram e três anos depois, já podiam viver por conta própria, já não
precisavam tanto do Fundador fisicamente junto delas. Desde então, o Pe. Júlio
resolveu concluir seus planos: fundar uma Congregação masculina de padres e
missionários. Conseguiu, com muita luta e paciência, a necessária autorização
do Conselho de sua Congregação de origem e começou a dedicar-se mais
integralmente aos planos da nova obra. Buscou um Bispo que acreditasse nele e
na obra que queria fazer. Encontrou Dom Carloto Távora, Bispo de Caratinga, MG,
e rumou para o Sul. Com viagem marcada e tudo preparado, eis que seu Superior
lhe pede que fique um tempo no Nordeste, em Alecrim (Natal, RN), de onde se
transferia o Pe. Theodoro Kok para Pinheiro, que iria cuidar da Congregação
fundada pelo Pe. Júlio Maria. Sempre obediente, Pe. Júlio permaneceu em
Alecrim, na paróquia, de setembro de 1926 a fevereiro de 1928. Em 29/02/1928,
Pe. Júlio Maria embarca, afinal, para o Rio de Janeiro, onde se encontrou com
Dom Carloto que o recebeu com o maior respeito e carinho e o levou para
Caratinga. Pe. Júlio recusou a oferta de paróquias em cidades mais importantes
e maiores. Fez questão de escolher Manhumirim, na época uma cidade pequenina,
modesta, embora na Zona da Mata mineira, rica em café. Manhumirim lembrava ao
Pe. Júlio a pequenez e o anonimato de Grave, na Holanda, onde o Fundador de sua
Congregação, que ele amava tanto, quis começar a fundação. Ótimo lugar para uma
instituição que precisava de aprender a amar e viver a pobreza e a humildade.
Pe. Júlio
chegou a Manhumirim dia 24/3/1928. Hospedou-se com o Pe. La Barrera, vigário da
cidade. Havia uma igreja nova em construção, construção que se arrastava havia
longos anos. A vida paroquial, como um todo, ia no mesmo ritmo. O velho
vigário, já cansado, não podia fazer muita coisa. Pe. Júlio ficou ali,
procurando conhecer a situação, observando e aprendendo. Limitou-se, durante um
mês e pouco, antes de tomar posse, a celebrar a missa, observar as coisas,
planejar. A posse aconteceu em fins de abril. Apaixonado por Nossa Senhora,
quis marcar sua entrada na paróquia com um Mês de Maria vibrante, piedoso e
muito bonito. Pediu que se improvisasse no interior da igreja nova, ainda em
construção, um altar para coroação de Nossa Senhora. Movimentou as crianças e
as famílias, que se sentiam renovados com a nova liderança paroquial. Os
festejos entusiasmados em honra de Maria Santíssima preocuparam os
protestantes, numerosos na cidade e no município, que reagiram, espalhando
entre o povo um folheto contra o culto a Maria. Pe. Júlio resolveu aproveitar a
ocasião e dar uma resposta séria e firme, baseada na teologia e na Bíblia. Usou
para isso o jornal da cidade. Católicos e protestantes notaram logo que estavam
diante de um líder, que não apenas fazia festas e celebrava missas, mas que
tinha cabeça, tinha poder de fogo intelectual, manejava com segurança e
facilidade a palavra escrita. Todos perceberam sua envergadura. Os católicos
vibravam. Os protestantes sentiram o peso da mão do novo pároco e missionário.
Não eram
tempos de ecumenismo, infelizmente. Eram, antes, tempos de polêmicas e
anátemas. Em Manhumirim, as posições se definiram e se antagonizaram. Quem era
católico, começou a ser mais firmemente católico; quem era protestante, maçom,
espírita teve de se decidir. Não era mais possível ser católico e espírita,
católico e maçom. Os protestantes, aliás, sempre foram claramente protestantes.
Estávamos diante de um catolicismo militante, aguerrido. Certamente, houve
nisso coisas boas e más. Não nos compete aqui nenhum julgamento histórico. Mas
é certo que o Pe. Júlio expressava bem uma posição que era a de grandes homens
de Igreja naquele tempo, como o Pe. Leonel Franca, S.J. Era preciso - continua
sendo preciso - catequizar os católicos, mostrar-lhes sua Igreja, as razões de
sua fé e de sua esperança, de modo que eles pudessem decidir-se
esclarecidamente, em moral e em doutrina.
O jornal de
Manhumirim não queria desagradar nem ao padre, nem aos protestantes. Seu
diretor pediu ao Pe. Júlio que escrevesse sobre outras coisas. O Pe. Júlio,
porém, achou que os ataques protestantes ao culto de Nossa Senhora tinha sido
espalhados entre os católicos e não podiam deixar de ser respondidos. Foi então
que resolveu fundar um jornal e um jornal combativo, a que deu o nome de O
LUTADOR. O primeiro número saiu em 25 de novembro de 1928 e nunca mais deixou
de ser editado. As lutas de O LUTADOR variaram nesses 72 anos, mas ele sempre
lutou por algumas causas fundamentais para o Reino de Deus. Com linguagens
diferentes, com enfoques diversos, mas sem perder de vista a meta final, os
objetivos básicos.
Pe. Júlio
era um homem diante do qual a gente tinha de tomar posição. A favor ou contra.
Os paroquianos se entusiasmaram com o novo vigário. A Igreja encheu-se de
fiéis. Cresceu a vida sacramental, sobretudo a vida eucarística. Organizou-se a
Liga Católica para os homens, foi infundida vida nova às Filhas de Maria para
as moças, à Congregação Mariana para os rapazes ou adultos de sexo masculino,
os Vicentinos foram grandemente estimulados. Pe. Júlio fundou a Congregação dos
Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora. Depois, a Congregação das Irmãs
Sacramentinas de Nossa Senhora, pensando especialmente na educação da juventude
feminina, na preparação das mães de família. Com o tempo, pensando no
atendimento à saúde da população carente, juntamente com os Vicentinos,
construiu o Hospital S. Vicente de Paulo. Diante da necessidade de preparar a
juventude masculina para um catolicismo mais sólido e uma vida sócio-política
mais consciente, fundou o Colégio Pio XI, que marcou época, não só na cidade,
mas em ampla região, tendo mantido durante muitos anos um internato famoso, com
alunos que vinham da redondeza, mas também do Espírito Santo e do Rio de
Janeiro. Mais tarde ainda, fundou um Patronato Agrícola, uma casa de
Aprendizado Doméstico e deu todo apoio aos Vicentinos na fundação e manutenção
de um Asilo para inválidos.
Enquanto
isso, entregava-se de corpo e alma à paróquia, à formação dos seminaristas e
religiosos de sua Congregação, assim como, com a colaboração da Co-fundadora
das Irmãs Sacramentinas, a Madre Beatriz Frambach, ia trabalhando
incansavelmente na formação e desenvolvimento da nova Congregação feminina, que
vicejava com força invejável, com frutos de piedade e santidade admiráveis.
Para homens
como o Pe. Júlio Maria não faltam amigos nem adversários. Sua ação em
Manhumirim não podia deixar de ter repercussão política. Fizeram tudo para
envolvê-lo em lutas partidárias. Pe. Júlio não apenas não tinha ambições
políticas, no sentido de poder e influência direta na condução da sociedade,
mas só usava sua força em defesa dos interesses religiosos de seus fiéis. Mesmo
assim, os Partidos se dividiram diante dele. Houve ameaças de todo o tipo e
tentaram assassinar o Padre, num domingo, dentro da própria igreja.
Essas
coisas, porém, não abalavam o Pe. Júlio, que parecia ter nervos de ferro. Nunca
o víamos exaltado ou dando mostras de preocupação por causa dessas coisas. A
vida, no Seminário, na Paróquia, na residência e no Colégio das Irmãs,
continuava igual. A agitação ficava do lado de fora e passaria. Embora os mais
informados soubessem que nem tudo estava num mar de rosas. As Irmãs sobretudo,
com sua sensibilidade feminina, sofriam muito. Os políticos se agitavam e
sempre que podiam, buscavam o apoio do padre. Se não conseguiam ou se
encontravam resistência (o Pe. Júlio apoiava sempre os católicos - aqueles que
ele julgava bons católicos), punham-se contra ele. O vigário jamais usava o
púlpito para fazer campanhas partidárias ou pessoais. De qualquer modo, o
Fundador tinha o apoio indefectível de Dom Carloto, sempre firme, decidido,
apesar de silencioso. Isto trazia ao vigário muita tranqüilidade. Mas em 1933,
Dom Carloto morre no Rio. Pe. Júlio Maria fica sem sua cobertura tão
importante. O sucessor do amigo, Dom José Parreira Lara, era também um homem de
Deus, e embora tenha vindo para a Diocese de Caratinga trazendo na bagagem
muitas denúncias e queixas contra o Pe. Júlio e sua Congregação, não pôde
deixar de exclamar, depois da primeira visita ao Seminário de Manhumirim:
"O dedo de Deus está aqui!"
Nesse meio
tempo, a Congregação masculina do Pe. Júlio Maria, crescia e se espalhava por
Minas Gerais. Os missionários estavam marcados pelo espírito de pobreza e
desapego, por enorme disposição para o trabalho pastoral, e suas paróquias eram
sempre movimentadas e piedosas, eucarísticas e marianas. Por seu lado, O
LUTADOR se difundia pelo Brasil afora, entrava praticamente em todos os
Estados, especialmente os do Sudeste e do Sul, e chegava a atingir mais de 900
cidades, levando o nome, as lutas, a doutrina do Padre Júlio Maria e aumentando
seu prestígio no país.
Enquanto
essas coisas iam acontecendo (e era muita coisa que acontecia em torno do Pe.
Júlio Maria De Lombaerde), ele ia escrevendo e publicando, além do jornal O
LUTADOR - que redigia praticamente sozinho e era, quase exclusivamente, uma
folha religiosa e apologética para esclarecimento dos católicos diante das
objeções ou ataques, por vezes violentos, dos "inimigos" da Igreja -
muitos livros de apologética, mas sobretudo de espiritualidade ou doutrina
mariana e eucarística. No jornal e nos livros que nasciam do jornal, Pe. Júlio
utilizava um estilo polêmico, irônico, agressivo até, mais por motivo
jornalístico, por causa do gosto natural que os leitores têm por esse tipo de
literatura e que, de fato, acabou fazendo dele - segundo uma avaliação da
Editora Vozes, naquela época - o autor católico mais lido no Brasil. É bom
notar que as Vozes publicaram, nesse tempo, muitos livros do Pe. Júlio Maria e
tinham dados comerciais para afirmar o que afirmaram.
Simultaneamente,
o Fundador mantinha cerrada correspondência espiritual com seus religiosos e
com as Irmãs Sacramentinas. Nessa época, estava impedido, por prudência e por
obediência, de se corresponder com as que então chamávamos "as Irmãs do
Norte". Essas Irmãs do Norte, ou seja, as Filhas do Coração Imaculado de
Maria cresceram muito e se desenvolveram espiritual e materialmente,
difundindo-se por várias unidades da Federação. Só depois da morte do Pe.
Júlio, muitos anos aliás após sua morte é que começamos a nos relacionar mais
freqüente e intimamente com elas. Hoje, somos cada vez mais uma família
julimariana, formada pelas Filhas do Coração Imaculado de Maria (FCIM), as
Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora e os Missionários de Nossa Senhora do SS.
Sacramento.
Na década
de 30, o Pe. Júlio Maria, enquanto construía o novo e grande prédio do
Seminário Apostólico de seus missionários, sofreu muito por causa das
perseguições político-religiosas, teve de assistir à invasão de sua gráfica e a
seu empastelamento, e depois, sofreu anos e anos de censura prévia, durante a
ditadura Vargas, que, de vez em quando, obrigava O LUTADOR a atrasar sua
postagem e a refazer ou cortar textos já compostos laboriosamente, ainda na
base do "tipo" catado a mão, um por um. Mas o jornal não deixava de
sair afinal, embora às vezes com grandes tarjas negras, apagando textos censurados.
A
Congregação se espraiou nesse tempo pelas Dioceses de Aterrado, hoje Diocese de
Luz, MG, com o apoio e aprovação de Dom Manuel Nunes Coelho, então seu Bispo
diocesano. Tivemos uma casa em Belo Horizonte e a paróquia de Cachoeirinha,
ainda nos tempos de Dom Cabral. Nesse tempo, os nossos estudantes vieram cursar
teologia no então grande e prestigioso Seminário Provincial do Coração
Eucarístico de Jesus. Ainda nessa época, abrimos um Seminário Menor em Dores do
Indaiá, e assumimos a paróquia aí e em Bom Despacho, ambas na Diocese de
Aterrado (Luz), assim como a direção do Colégio dos Padres na cidade de Patos
de Minas. A Congregação do Pe. Júlio Maria crescia e dava um belo testemunho de
amor à Igreja, à Eucaristia e Maria Santíssima.
Uma atitude
que distinguia as obras do Pe. Júlio: ele procurava não confiar nas seguranças
humanas. Fazia questão de entregar tudo o que fazia à Divina Providência.
Quando começou a construção do grande prédio do Colégio Pio XI, claro que tinha
perspectivas financeiras. Mas não tinha tostão em caixa. E a obra não teve de
ser interrompida nenhuma vez, por falta de dinheiro.
Apesar de
sua nunca bem entendida sua paixão pela França (ele se dizia francês, apesar de
ser belga e flamengo, falava com notável entusiasmo dos heróis franceses, da
literatura francesa, da língua francesa que ele fazia questão de dizer que
sabia, porque temos de conhecer "nossa língua"); apesar disso, quis
se abrasileirar, desde os tempos de Macapá, no sentido que quis entender o
povo, amar o Brasil e sua gente, fundar uma Congregação religiosa brasileira (a
sua foi a primeira Congregação religiosa masculina brasileira e continuou sendo
a única durante décadas). E mais que isso, em 1940 requereu sua naturalização.
Ser brasileiro, deixar de ser francês, foi um grande sacrifício, um exercício
de "kénosis", de esvaziamento afetivo por amor de Cristo, como um
testemunho de despojamento pessoal em nome do amor ao povo ao qual dedicou
praticamente toda sua vida sacerdotal. (Ele veio para o Brasil quatro anos
apenas depois de ordenado padre, e nunca mais voltou à Europa, nem em visita,
durante mais de 32 anos que viveu ainda.) O título de cidadão brasileiro lhe
foi entregue solenemente em 31/10/1941, pelo Juiz de Direito de Manhumirim.
Tanto
trabalho e tanta dedicação marcaram suas Congregações assim como a população da
paróquia. Mas, por outro lado, iam-lhe desgastando a saúde. Não era velho.
Tinha apenas 66 anos. Estava longe de dar mostras de decrepitude. Entretanto,
em 1944, começou a falar da morte próxima. Começou a preocupar-se com a
sucessão. Resolveu ir preparando melhor aqueles que poderiam continuar sua
obra. A Congregação, porém, era muito nova: tinha apenas 15 anos e começara do
nada. De qualquer maneira, o Fundador dizia aos noviços antes do último retiro
pregado à comunidade (de 11 a 19/12/1944): "Quero fazer um ano de
preparação para a morte. Sinto que não irei muito longe." Fazia, então,
freqüentemente, menção à morte e ao céu. Cinco dias antes de morrer, eram
indescritíveis os carinhos paternais e a expansão com que tratava seus filhos
espirituais.
No dia 24
de dezembro de 1944, domingo, celebrou a missa das 5h 30min na Matriz do Bom
Jesus, Manhumirim, estimulando todos a uma fervorosa comunhão naquela noite do
nascimento de Nosso Senhor. Lá pelas 7h, partiu de automóvel para a fazenda S.
José, em Vargem Grande, propriedade que ele adquirira recentemente para ajudar
na manutenção do Seminário. Viajaram com ele três Irmãs Sacramentinas que iam
conhecer o local de uma futura residência e escola, para as crianças da Vargem
Grande. Um dia dedicado ao trabalho pastoral e à preparação da nova casa das
Irmãs.
À tarde,
quando ia voltar para Manhumirim, o tempo chuvoso e a estrada de terra
escorregadia não aconselhavam que fizessem a viagem. Ele, porém, achava que
deveria ir, por ser véspera de Natal, e ele iria celebrar a missa da
meia-noite. Saiu apesar do risco. Provavelmente não avaliasse o tamanho do
perigo, porque não era motorista e andava muito pouco de carro. O motorista,
por sua vez, era jovem e inexperiente e não teve coragem de enfrentar a ordem
do Pe. Júlio Maria, que fez questão de descer a serra. Aconteceu o desastre, o
carro capotou duas ou três vezes na ribanceira e o Pe. Júlio ficou preso entre
a ferragem do automóvel e um tronco de árvore. Os outros passageiros e o chofer
não sofreram praticamente nada, fisicamente. Mas o padre não conseguiu
libertar-se, e, comprimido, ia sendo sufocado, sem ar. Resistiu ainda algum
tempo, pedindo que providenciassem alguém que o pudesse tirar dali: "Depressa,
depressa, minha filha!" - dizia ele a uma das Irmãs. Mas o socorro veio
tarde demais. E ele morreu, pronunciando estas palavras: "Meu Deus, meu
Deus! Nossa Senhora do Carmo! Meu Deus!"
Ficou o
exemplo de sua vida. Entre as muitas coisas que realizou, certamente sobressai
o jornal O LUTADOR, que ele amou tanto e ao qual deu parte substancial de sua
vida nos anos de Manhumirim, e a Editora que daí nasceu.
(Este texto
é uma resenha e um rearranjo do livro “Pe. Júlio Maria, sua vida e sua
missão”, de Dom Antônio Afonso de Miranda, o primeiro religioso da
Congregação do Pe. Júlio Maria escolhido para ser bispo, hoje Bispo Emérito de
Taubaté, SP, e que foi o primeiro biógrafo do seu Fundador.)
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