O Padre Cícero foi o padrinho de milhares de
sertanejos, "meu padrinho" para milhões de nordestinos. Antes de tudo
ele foi o sertanejo que viveu os códigos de sua cultura, encarnou o protótipo,
o modelo do padrinho protetor, reivindicando até a interferência divina para
sê-lo. No sonho que relatamos, Cristo ordenando-lhe que protegesse seus filhos
desamparados, nomeia-o padrinho daquela gente. Vivendo integralmente o papel
cultural, recebeu dos afilhados o título honorífico, foi o "meu
padrinho", o guia, o chefe, o líder de gerações de seguidores que, longe
de diminuírem em número com a distância do tempo, aumentam, pela comparação da
vida dele com a prática da vida moderna, desagregadora e desamparadora. As
estatísticas das romarias de Juazeiro apontam o crescimento do número de
adeptos, de afilhados do Padre Cícero. — Página 173.
Relacionando os exemplos cristãos com a vida
rotineira do homem, vinculando os princípios de honradez, coragem,
hospitalidade, trabalho, resistência ao sofrimento, respeito aos mais fracos,
às próprias palavras do evangelho, à vida de Cristo e dos Santos, estendia-se
com os matutos por horas infindas. Dava-lhes conselhos ensinando-lhes métodos
mais atualizados de agricultura, orientando-os no uso da medicina popular
sertaneja, admoestando-os, numa linguagem clara, para uma forma mais amigável
de convivência. Só se afastava dos romeiros para os trabalhos do sacerdócio e a
leitura. Em sua biblioteca constatamos o uso continuado do "Formulário e
Guia Médico" de Chernoviz, o que indica a preocupação com o aprendizado de
uma orientação médica que pudesse seguir, no atendimento àqueles milhares de
analfabetos que o procuravam se queixando de todo tipo de doenças. — Página
174.
O acervo de conhecimentos do Padre Cícero
entusiasmou o botânico alemão Philipp Von Lueztzelbug que, a serviço da
Inspetoria Federal de Obras contra as Secas — do Ministério da Viação e Obras
Públicas, passou no Juazeiro em 1921. De sua viagem publicou o livro
"Estudo Botânico do Nordeste", publicação n.º 57, série I, daquele
Ministério, em 1923. Na página 59 deste livro, se lê:
"Naturalmente, para mim, se tornou de capital
importância conhecer e falar com o Padre Cícero e tive o prazer de, à minha
chegada, ser recebido e ter animada palestra com o mesmo. Este velho, de real
prestígio popular, deixou-me gratas recordações. Tratou-me com delicadeza e
amabilidade. De fato, trata-se de um homem que dispõe de instrução e saber
invulgares: aborda com igual facilidade a política e a história brasileira; tem
conhecimentos profundos de história universal, ciências naturais, especialmente
quanto à agricultura. Os institutos científicos deviam entrar em contato com
aquele homem que dispõe de conhecimentos excepcionais com relação à
Paleontologia, Geologia e História, adquiridos parte por observações e estudos
pessoais, parte pelas indicações que colhe de seus inúmeros fiéis e romeiros,
que das paragens mais longínquas trazem ao 'Padrinho' tudo aquilo que encontram
de esquisito e extraordinário... Poderia o leitor objetar que pouca importância
se deve dar aos achados dos romeiros, geralmente sem instrução. Contudo, devo
notar que tive oportunidade de estudar a curiosa coleção do Padre Cícero, onde
encontrei material preciosíssimo..." — P. 175.
O Padre Cícero acreditava tanto que Nossa Senhora
das Dores enviara para Juazeiro os necessitados, que não se permitia deixar de
atender quem o procurasse, fosse pobre, rico, criminoso, beato, louco ou
portador de doença contagiosa. M. Diniz ouviu o padre fazer a seguinte pregação
aos romeiros um dia, na hora da bênção em sua casa: "Vocês, que vêm de
suas terras distantes, do sul de Alagoas e Pernambuco, dos Brejos da Paraíba,
das praias do Rio Grande do Norte e deste Estado, ou dos longínquos sertões do
Piauí, Maranhão e Bahia, sofrendo privações, a fome, a sede, o sol e as
intempéries dos longos caminhos, tudo por amor a visitar Nossa Senhora das
Dores e o Padre Velho do Juazeiro, fiquem certos de que a Mãe de Deus recompensará
a todos. E quanto a mim, não acreditem no que propalam, dizendo que vou deixar
este lugar. Não acreditem, porque o Juazeiro é uma cidade da Mãe de Deus,
e ela foi quem me colocou aqui. E nem o Satanás, nem os homens de Satanás têm
poder para me tirar desta cidade, a qual só deixarei quando completar a
salvação de vocês todos." — Página 178.
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