«Os
que se encaminhavam à morte estavam também expostos à burla: cobertos de pele
de feras, morriam dilacerados pelos cães, ou eram crucificados, ou queimados
vivos como tochas que serviam para iluminar as trevas quando o sol se punha.
Nero tinha oferecido seus jardins para gozar desse espetáculo, enquanto
oferecia os jogos do circo e, vestido como cocheiro misturava-se ao povo ou
mantinha-se hirto sobre o coche.
«Embora os suplícios fossem contra gente culpada, que merecia tais tormentos
originais, nascia por eles, um senso de piedade, porque eram sacrificados não
em vista de um vantagem comum, mas pela crueldade do príncipe» (15,44).
Os cristãos eram, portanto, tidos também por Tácito como gente desprezível,
capaz de crimes horrendos. Os crimes mais infames atribuídos aos cristãos eram
o infanticídio ritual (como se na renovação da Ceia do Senhor, quando
alimentavam-se da Eucaristia, sacrificassem uma criança e comessem suas
carnes!) e o incesto (clara deformação do abraço da paz que se dava na
celebração da Eucaristia "entre irmãos e irmãs"). As acusações,
nascidas do mexerico do povo simples, foram assim sancionadas pela autoridade
do Imperador, que perseguia os cristãos e os condenava à morte.
A partir daquele momento (testemunha Tácito) acrescentou-se à conta dos
Cristãos um novo crime: o ódio contra o gênero humano. Plínio o Jovem
escreverá, ironicamente, que daquele momento em seguida poder-se-ia condenar
qualquer um à morte.
Acusados de ateísmo
São muito poucas as notícias da perseguição que atingiu os Cristãos no ano 89,
sob o imperador Domiciano. É, de particular importância, a notícia trazida pelo
historiador grego Dione Cássio, que foi pretor e cônsul em Roma. Ele afirma no
livro 67 da sua História Romana que sob Domiciano foram acusados e condenados
"por ateísmo" (ateòtes) o cônsul Flávio Clemente e sua mulher
Domitila, e com eles muitos outros que «tinham adotado os costumes judaicos».
A acusação de ateísmo, nesse século, dirige-se a quem não considerava a
majestade imperial como divindade absoluta. Domiciano, duríssimo restaurador da
autoridade central, pretende o culto máximo à sua pessoa, centro e garantia da
"civilização romana".
É admirável que um intelectual como Dione Cássio chame de "ateísmo" a
recusa do culto ao imperador. Significa que em Roma não se admite nenhuma idéia
de Deus que não coincida com a majestade imperial. Quem tem uma idéia diversa é
eliminado como gravemente perigoso à "civilização romana".
Plínio o Jovem, governador da Bitínia no Mar Negro, estava voltando em 111 de
uma inspeção em sua populosa e rica província quando um incêndio devastou a
capital, Nicomédia. Muito poderia ter sido salvo se houvessem bombeiros. Plínio
relata ao imperador Trajano (98-117): «Cabe-te, senhor, avaliar a necessidade
criar uma associação de bombeiros de 150 homens. De minha parte, farei com que
essa associação não acolha senão bombeiros…».
Trajando responde recusando a iniciativa: «Não esqueças que a tua província
está nas mãos de sociedades desse tipo. Qualquer que seja o seu nome, qualquer
que seja a destinação que quisermos dar a homens reunidos em corporação, isso
permite, sempre e rapidamente as hetérias. O temor das hetérias (nome grego das
"associações") prevaleceu sobre o medo dos incêndios.
O fenômeno era antigo. As associações de qualquer tipo que se transformavam em
grupos políticos tinham levado César a interditar todas as associações no ano 7
a. C.: «Quem quer que forme uma associação sem autorização especial, é passível
das mesmas penas dos que atacam à mão armada os lugares públicos e os templos».
A lei estava sempre em vigor, mas as associações continuavam a florescer: dos
barqueiros do Sena aos médicos de Avenches, dos mercantes de vinho de Lion aos
trombeteiros de Lamesi. Todas defendiam os interesses de seus inscritos fazendo
pressões sobre os poderes públicos.
Plínio não demorou em aplicar a interdição das hetérias num caso particular que
lhe foi apresentado no outono de 112. A Bitínia estava cheia de Cristãos: «É
uma multidão de gente de todas as idades, de todas as condições, espalhada
pelas cidades, nas aldeias e nos campos», escreve ao Imperador. Continua
dizendo que recebeu denúncias dos construtores de amuletos religiosos,
perturbados pelos Cristãos que pregavam a inutilidade de tais bugigangas.
Instituíra uma espécie de processo para conhecer bem os fatos, e tinha
descoberto que eles costumavam «reunir-se num dia fixo, antes do levantar-se do
sol, cantar um hino a Cristo como a um deus, empenhar-se com juramento a não
cometer crimes, a não cometer nem roubos, nem assaltos, nem adultérios, e a não
faltar à palavra dada. Eles têm também o hábito de reunir-se para tomar a
própria refeição que, apesar dos boatos, é alimento ordinário e inócuo».
Os cristãos não tinham cessado as reuniões nem mesmo depois do edito do
governador que insistia na interdição das hetérias. Continuando a carta
(10,96), Plínio refere ao Imperador que nada vê de mal nisso tudo. A recusa,
porém, de oferecer incenso e vinho diante das estátuas do Imperador parece-lhe
um ato sacrílego de desprezo. A obstinação dos Cristãos parece-lhe «irracional
e tola».
Parece claro, da carta de Plínio, que caíram as absurdas acusações de
infanticídio ritual e incesto. Permanecem a de «recusarem a oferecer culto ao
Imperador» (portanto de lesa majestade), e da formação de hetérias.
O Imperador responde: «Os cristãos não devem ser perseguidos por ofício. Sendo,
porém, denunciados e reconhecidos culpados, é preciso condená-los». Em outras
palavras: Trajano encoraja a fechar um olho sobre eles: são uma hetéria inócua
como os barqueiros do Sena e os vendedores de vinho de Lion. Uma vez, porém,
que estão praticando uma «superstição irracional, tola e fanática» (como é
julgada por Plínio e outros intelectuais do tempo, como Epíteto, e continuam a
recusar o culto ao imperador (e portanto consideram-se «estranhos» à vida
civil), não se pode fazer de conta que não há nada. Quando denunciados, sejam
condenados.
Continua então (embora de forma menos rígida) o "Não é lícito ser
cristão". Vítimas desse período são seguramente o bispo Simeão de
Jerusalém, crucificado quando tinha 120 anos de idade, e Inácio Bispo de
Antioquia, levado a Roma como cidadão romano, e aí justiçado. A mesma política,
em relação aos Cristãos, é exercida pelos imperadores Adriano (117-138) e
Antonino Pio (138-161).
Marco Aurélio: o cristianismo é uma loucura
Marco Aurélio (161 - 180), imperador filósofo, passou guerreando 17 dos seus 19
anos de império. Em suas Memórias, em que anotava todas as noites alguns
pensamentos «para si mesmo», nota-se um grande desprezo pelo cristianismo.
Considerava-o uma loucura porque propunha à gente comum, ignorante, uma maneira
de comportar-se (fraternidade universal, perdão, sacrifício pelos outros sem
esperar recompensa) que só os filósofos como ele podiam compreender e praticar ao
final de longas meditações e disciplinas.
Ele proibiu, num rescrito de 176-7, que sectários fanáticos, com a introdução
de cultos até então desconhecidos, pusessem em perigo a religião de Estado. A
situação dos cristãos, sempre difícil, endureceu-se ainda mais com ele.
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