Primeiros Santos Mártires de Roma

No calor do verão de 64, Nero, para executar seus projetos urbanísticos megalômanos, pôs fogo em Roma, que àquele época tinha muitas construções em madeira e palha, fazendo-a arder até às cinzas durante 9 dias. E para se eximir das acusações, culpou os cristãos, que até então aí viviam em paz, mas a quem ele já cultuava imenso ódio por não lhe reverenciarem como deus.
    Ele havia recém assassinado São Pedro, por inveja de seu carisma e por ser o representante máximo de Cristo, e agora deflagrava a primeira cruel perseguição a todos os cristãos, ordenando um massacre completo. Claro, ele se valia do fato de que a Doutrina era pouco conhecida e de que seus seguidores eram extremamente pacifistas e desarmados.
   Centenas de cristãos entregaram suas almas a Deus nesse período. As mulheres eram ultrajadas dos modos mais infames. Nem crianças nem idosos tiveram suas vidas poupadas, e, para tornar o 'espetáculo' sempre mais atraente, todas as formas de execução foram permitidas. Mas todos morriam sem renegar sua fé em Cristo, o que levou os romanos a acharem que os cristãos 'não gostavam de viver' e 'odiavam o ser humano'.
    Os jardins onde o imperador Calígula havia feito um circo agora eram usados por Nero, também para um espetáculo 'circense' com os mais horrendos sacrifícios, uma 'festa' popular de execuções: ataque de feras furiosas, como touros, e famintas, como leões e grandes felinos, morte na fogueira, crucificações e tochas humanas, que eram crucificados untados com piche aos quais ateavam fogo e deixavam ardendo em chamas para 'iluminar' a noite.
    No dia a dia, muitos cristãos eram banhados em sangue e revestidos com peles de animais para receberem escárnio e espancamento dos romanos, e serem atacados e devorados pelos cachorros nas ruas. O próprio Nero se misturava ao povo, disfarçado, e conduzia um carros de corrida puxados a cavalo.

    São Paulo, que logo também por ordem de Nero seria supliciado e morreria decapitado, nos seus últimos dias escreveu a São Timóteo e deixou um registro da resignação entre os cristãos e dos tristes espetáculos que estavam em curso: "Na minha primeira defesa, ninguém me assistiu, todos me abandonaram. Que isto não lhes seja levado em conta. Mas o Senhor veio em meu auxílio e me deu forças. Assim, pude completar a proclamação da mensagem, para todas as nações a ouvirem. E eu fui libertado da boca do leão." 2 Tm 4,17
    São João Evangelista teria mencionado esses mártires no livro do Apocalipse, que de fato foi escrito por volta do fim do século: "Então um dos Anciãos falou comigo e perguntou-me: Esses, que estão revestidos de vestes brancas, quem são e de onde vêm? Respondi-lhe: Meu Senhor, tu o sabes. E ele me disse: Esses são os sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro." Ap 7,13-14
    Ele também teria mencionado, no mesmo livro, os sacrifícios de São Pedro e São Paulo: "Mas incumbirei às minhas duas testemunhas, vestidas de saco, de profetizarem por mil duzentos e sessenta dias. São eles as duas oliveiras e os dois candelabros que se mantêm diante do Senhor da terra. Mas, depois de terem terminado integralmente o seu testemunho, a Fera que sobe do abismo lhes fará guerra, os vencerá e os matará. Seus cadáveres (jazerão) na rua da grande cidade que se chama espiritualmente Sodoma e Egito (onde o seu Senhor foi crucificado). Muitos dentre os povos, tribos, línguas e nações virão para vê-los por três dias e meio, e não permitirão que sejam sepultados. Os habitantes da terra alegrar-se-ão por causa deles, felicitar-se-ão mutuamente e mandarão presentes uns aos outros, porque esses dois profetas tinham sido seu tormento." Ap 11,3-4.7-10

    O termo grego 'protomártires' designa, portanto, esses primeiros mártires cristãos, sacrifício que mais tarde muitas nações também viriam a oferecer. E todos eles têm no Diácono Santo Estevão seu primeiríssimo exemplo, ainda no tempo dos Apóstolos, pouco depois do Pentecostes, logo seguido por São Tiago Maior, primeiro Apóstolo a ser martirizado.
    Esse massacre perpetrado por Nero em 64, e que perdurou até sua morte, em 67, pelo absoluto caos que instalou, explica os pouquíssimos registros que atestam Roma como a Sede mundial da Igreja bem como a Primazia de Pedro, enquanto primeiro líder supremo de todos os cristãos.
    É a partir destes tempos que surgem as catacumbas subterrâneas de Roma, que eram construídas ao longo dos lados das estradas com objetivo de sepultar secretamente, mas com honrarias, os cristãos, e mais tarde possibilitar as rezas e cultos junto aos seus túmulos. Algumas chegam a ter 5 andares e dezenas de quilômetros. São evidências de um costume judeu, que depositavam os corpos de seus mortos em largos sepulcros escavados em encostas, com espaço para entes de toda a família.

    Tal crueldade, porém, associada ao destemor e exemplo de fé dos cristãos terminaram por conquistar a compaixão e também a fé dos romanos, que puderam conhecer melhor a manifestação do Cristo e ficaram maravilhados com a resignação e o amor a Deus demonstrados por seus seguidores. De fato, só Deus e a firme convicção da Vida Eterna poderiam consolar e animar aquelas almas.
    Não por acaso o termo 'testemunho' tinha originalmente o sentido de martírio. Jesus havia dito: "Cuidai-vos dos homens. Eles vos levarão aos seus tribunais e açoitar-vos-ão com varas nas suas sinagogas. Sereis por minha causa levados diante dos governadores e dos reis: servireis assim de testemunho para eles e para os pagãos." Mt 10,17-18
    Esses sacrifícios, portanto, foram preditos por Ele: "Então sereis entregues aos tormentos, matar-vos-ão e sereis por Minha causa objeto de ódio para todas as nações." Mt 24,9
    E Ele o disse mais de uma vez: "Sereis entregues até por vossos pais, vossos irmãos, vossos parentes e vossos amigos, e matarão muitos de vós. Sereis odiados por todos por causa do Meu Nome." Lc 21,16-17
    Era o batismo de que Jesus havia falado aos Apóstolos: "Vós bebereis o cálice que Eu devo beber e sereis batizados no batismo em que Eu devo ser batizado." Mc 10,39
    Nascia assim, por esse 'batismo', pelo sangue dos primeiros mártires, a gloriosa Igreja Católica Apostólica Romana.